É comum uma pessoa procurar terapia quando percebe algo de contraditório na sua vida. Não consegue mais dar conta de ao menos uma coisa que lhe seja vital. Talvez seja a relação com o parceiro, com o trabalho, consigo. Pode sentir que não dá mais conta de tocar a vida e se queixa de sintomas como insônia, ansiedade, incapacidade de conseguir trabalhar, compulsões; que não passam. |
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Quem viveu na década de 1980 deve lembrar do bordão “É o meu jeitinho!”, de um personagem de Viva o Gordo, programa humorístico do Jô Soares. Eu era criança e recordo que, na época, esse bordão era muito usado pelas pessoas para justificar, em tom de piada, seus comportamentos – sobretudo os ruins. O bordão caiu em desuso, mas não é raro alguém se defender de uma crítica argumentando “esse é o meu jeito”. É como um ponto final, como se nada pudesse ser feito a respeito dado que a pessoa “nasceu assim”, “cresceu assim”, “vai ser sempre assim” – o que Alice Souto, professora da EFEN, chama zombeteiramente de Síndrome de Gabriela. Mas nosso jeito é realmente inato? Em alguns momentos pode até parecer que a pessoa do terapeuta apenas sai de um armário para o atendimento e volta para o armário logo após o encerramento da sessão, como se fosse um mero objeto de cena que ganha vida apenas no momento da terapia. Existe ainda o mito do/a terapeuta como alguém que não tem opiniões políticas ou percepções sobre sua própria vida que possam ir de encontro às percepções do paciente. O mito da imparcialidade.
Que clínica e política não se separam, já sabíamos. Quando Wilhelm Reich escreve duas obras simultaneamente, o Análise do Caráter (sobre a terapêutica clínica) e o Psicologia de Massas do Fascismo (sobre a expressão política do caráter adoecido das massas), durante o período de tempo que culmina na subida de Hitler ao poder, isso não foi por acaso. Como pensar a expressão caracterial e social de uma sociedade moldada em processos de escravização?20/9/2022
Essa preocupação foi com o corpo? Como poderia se pensar, de forma mais geral e imediata a respeito da clínica de Reich, sim. Em parte. No entanto, nos parece que o corpo, mais do que nos atermos a uma “técnica clínica”, o corpo é o lugar onde as questões políticas e históricas da sociedade estão marcadas e é o lugar da memória que processa e guarda impulsos de vida, contradições, expressões de potência, expressões de reatividade, adesão a pensamentos e práticas libertárias ou adesão a pensamentos e práticas fascistóides ou “pestilentas”, como também designaria Reich.
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Outubro 2023
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