Muitas vezes o paciente sente que piora em seus sintomas durante seu processo terapêutico. Existe em nossa sociedade uma tendência em ver a realidade de forma dualista. Por esta lógica se alguém está piorando em seus sintomas, não pode estar melhorando. |
O terapeuta observa durante o processo terapêutico se surgem novos sintomas. Se os preexistentes aumentam ou diminuem de intensidade e em número de episódios de ocorrência. Deve investigar se são o resultado de um organismo que está começando a se tornar mais livre e que precisa aprender a lidar com emoções que antes eram rejeitadas como ruins, desagradáveis ou inapropriadas. Ou se a mudança nos sintomas ocorre sem que as resistências do caráter se abrandem. Observar se o caráter se torna mais flexível ao longo da terapia é fundamental, vejamos porquê.
Quando Reich ainda era psicanalista deparou-se com uma questão que afligia a todos seus colegas clínicos na época. Haviam pacientes que respondiam ao tratamento piorando seus sintomas. Isto é chamado até hoje de reação terapêutica negativa, tanto na psicanálise quanto na vegetoterapia caractero-analítica desenvolvida por W. Reich. Mas o entendimento do conceito é diferente nas duas abordagens terapêuticas.
Reich desenvolveu a análise do caráter e com ela pôde conhecer de onde parte esta reação. A descoberta de que é o caráter por inteiro do paciente que resiste durante a terapia foi a chave para que ele passasse a priorizar a análise do caráter de seus pacientes e as intervenções sobre o mesmo. Enquanto isso, boa parte de seus colegas psicanalistas atribuíram à pulsão de morte a origem e sustentação desta reação. |
Segundo a ideia de pulsão de morte, haveria "naturalmente" nas pessoas um impulso de autossabotagem, de desprazer, que explicaria a existência do masoquismo e que se oporia aos movimentos naturais de expansão do organismo em direção ao prazer. Segundo Reich, o caráter que é o jeito típico da pessoa se expressar, absorve a energia biossexual (que ele denominou de orgone) para manter-se funcionando.
Essa energia presa por ele, faz o organismo funcionar de um modo diferente do que num organismo onde ela pode fluir livremente. Quanto mais a energia estiver presa no corpo e menos descarregada e trocada com outras pessoas, mais rígido o caráter, e mais sintomas a pessoa vai apresentar. A sustentação de quaisquer sintomas que o paciente apresente está no maior ou menor gasto da energia para sustentar o caráter da pessoa, que não é julgado como sendo bom ou ruim. Mas sim como mais ou menos rígido, mais ou menos adoecido em suas relações de maior ou menor abertura com as pessoas e com os meios em que interage.
Reich percebeu que a piora dos sintomas dos pacientes poderia ter conexão com a inabilidade dos analistas em conduzir a terapia na direção da análise das resistências do caráter, e não numa hipotética e natural pulsão de morte. Ele jamais a encontrou em suas investigações clínicas e laboratoriais. Percebeu que mesmo no caráter masoquista não havia uma pulsão em direção ao desprazer e à angústia. Que mesmo debaixo dos lamentos masoquistas, ou de tolerar sofrimento desnecessariamente, há um organismo com um cerne biológico vivo.
Não existem duas pulsões originais antagônicas no corpo. As pulsões contrárias que existem são efeito de contradições internas no corpo. A qualidade da pulsão da energia original, que é primariamente em direção ao prazer, é alterada pela couraça causando a angústia. O movimento da energia é travado pela couraça e se retrai em direção ao centro do corpo, causando a sensação de aperto no peito e no ventre. É a energia bloqueada e presa pelo caráter no corpo, mais exatamente na musculatura esquelética, que é a fonte das neuroses e dos sintomas.
Se as resistências estão sendo realmente trabalhadas nas sessões clínicas, e ocorrer piora na sensação dos sintomas, isto é algo que pode acontecer, é normal e não se deve à inabilidade do terapeuta. Quando a ação sobre as resistências por meio da análise do caráter e dos actings (a parte da terapia diretamente ligada ao corpo e à mobilização da energia presente nele) surtem efeito, surgem diversas novas sensações e sentimentos que o analisando não estava acostumado a sentir. |
A rigidez caracterial reprime os sentimentos e sensações da pessoa, e flexibilizá-la leva inevitavelmente à irrupção de sensações, que podem ser entendidas como sintomas pelo paciente. Uma série de emoções antes ocultas começam a vir à consciência. Se antes o paciente nunca chorava, aos poucos consegue chorar. Se era insensível com o que se passava no seu corpo, se antes não percebia nada lhe apertando e incomodando, agora o sente.
São sensações e emoções que o paciente pode julgar como desagradáveis e crer com isto que está piorando. Ao terapeuta compete demonstrar o ganho que o paciente tem ao passar a sentir e expressar suas emoções livremente. O quão vivo agora ele é em relação à quando era insensível. Quantas novas possibilidades de viver de forma mais satisfatória estão se lhe abrindo!
Talvez o paciente possa dizer-se deprimido mas apenas porque agora é capaz de sentir e expressar tristeza, coisa que antes não conseguia. Neste caso é preciso mostrar para ele a diferença entre uma tristeza pela perda de algum vínculo com alguém querido de uma tristeza depressiva ligada à dores passadas na infância. Outra possibilidade é que ele esteja de fato deprimindo pela dificuldade de lidar com sentimentos historicamente presos em seu corpo e que agora estão sendo liberados da couraça.
É parte do trabalho terapêutico mostrar ao paciente a diferença entre suas emoções genuínas, do cerne, que acontecem em contato com a realidade (em tempo real) das que passam pela couraça e que se conectam com dores antigas e modos de sobreviver à estas dores e emoções que não podiam ser expressadas no passado. Com o contato com as diferentes emoções e sentimentos o paciente pode aprender a discernir uma raiva potente, ligada à defesa do organismo para afastar algo ruim, de uma raiva reativa ligada à destrutividade, e a explosões irracionais, conectada com dores passadas. Deve-se fazer isto com cada uma das emoções do paciente para ele descobrir, pela observação da coerência entre o contexto e o sentimento se o que sente é reativo ao passado ou contatado ao presente.
O terapeuta deve observar, pelas reações de seu paciente, para saber o melhor momento de intervir sobre um traço caracterial. Quando é chegada a hora de intervir em certo nível da couraça (ocular, oral, pescoço, etc.) ou não. Começa-se trabalhando o nível ocular, depois o oral, e assim em sucessão descendente, sempre observando com cuidado o que cada mobilização causa no paciente.
Faz parte do processo da análise do caráter o paciente começar a estranhar o seu próprio jeito. Flexibilizar os traços, para que a pessoa possa viver de forma menos defensiva e mais contatada com a realidade, menos armada e relaxada, é um dos objetivos da terapia. Na medida que os traços são percebidos e descobertos pelo paciente, ele pode perceber o quanto cada um deles quando em funcionamento, prejudica suas relações, sua vida e sua saúde. Nas sessões, o terapeuta deverá isolar, mostrar o traço diversas vezes ao paciente, até que ele o estranhe e perceba as sensações desagradáveis em seu corpo, que decorrem de contrações defensivas crônicas, presentes em seus músculos.
Descobrir seus modos de defesa e contra o quê se defende. Desta forma ele aprende a relaxar, a desarmar-se, e a energia antes retida para sustentar a rigidez caracterial, pode fluir pelo corpo e buscar o prazer, o contato e a troca, expandindo-se em direção aos outros organismos de forma desinibida.
Por meio da observação do funcionamento do paciente na clínica, pelo modo como ele fala de si e de suas relações, pode-se saber quais progressos ele está fazendo em direção à uma vida mais satisfatória e menos adoecida. A redução dos sintomas neuróticos é acompanhada por uma vida sexual mais satisfatória, com maior potência orgástica. |
É preciso distinguir de onde parte a piora dos sintomas: das resistências, ou da abertura à novos sentimentos e modos de viver a vida.
Portanto se as resistências estão sendo adequadamente trabalhadas, uma piora nos sintomas não é um problema e o terapeuta não deve tentar impedir que isto ocorra, se sentir que isto faz parte do processo de caminhada de seu paciente. Mas auxiliar seu paciente com acolhimento e insistir na análise.
Texto de Rafael Benini
Psicólogo e aluno em Formação da EFEN