Comecei meus estudos reichianos em 2020, em plena pandemia com o curso básico Introdução à Psicologia Política de Wilhelm Reich e com a leitura do livro Psicologia de Massas do Fascismo. No cenário distópico que vivíamos (e seguimos vivendo), pareceu-me oportuno tentar compreender tamanha irracionalidade. Mais do que nunca me parecia urgente entender de onde vem o fascismo.
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“fascismo, colega silva, ainda está cá dentro, é muito difícil tirarmos das ideias a educação que nos deram de crianças, podemos ser todos inteligentes como super-homens, adultos feitos à maneira e pensantes livremente, mas a educação que nos dão em crianças tem amarras para a vida inteira e, discretamente, aqui e acolá os tiques fascistas hão de vir ao de cima.” (Mãe, 2010, p. 61)
Pensar que o fascismo está dentro de nós é um tanto desconcertante. “Ah! Mas que educação foi essa que o Sr. Silva teve?” pode-se pensar: “...Decerto ele viveu a ditadura portuguesa de Salazar.”; mas o que explicaria os fascistas como vemos hoje no Brasil? Ou mesmo nos EUA, ícone da democracia (contém ironia) que não vivenciaram uma ditadura ou um “regime” fascista?
Para Reich o “fascismo se manifesta em cada cidadão do planeta” (Reich, 1988, p.245) e “é a expressão da estrutura irracional do caráter do homem médio, cujas necessidades biológicas primárias e cujos impulsos têm sido reprimidos há milênios” (Reich, 1988, p.8). Tento destrinchar o que ele quis dizer com isso:
Na visão reichiana o fascismo é uma manifestação social da nossa caracterialidade. Em poucas palavras, caracterialidade é o que é característico em nós, o que se repete em nosso comportamento, na forma como nos expressamos e nos relacionamos com o mundo. Esse “ como” é a forma do nosso modo de sobrevivência, isto é, o conjunto de defesas que criamos inconscientemente para sobreviver a determinadas situações e que ficam “gravadas” no nosso sistema nervoso autônomo. Essas defesas são formadas nos primeiros anos de vida e são acionadas automaticamente mediante sinais de perigo já conhecidos.
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Esses “perigos” consistem fundamentalmente, na repressão dos impulsos naturais infantis ou de suas necessidades biológicas primárias, ou seja, na repressão da sexualidade. A sexualidade aqui refere-se aos impulsos vitais, a energia vital que move a vida. Essas forças repressoras deixam diversas marcas que formam as nossas defesas.
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Todo esse processo é operado através do medo: de não ser amado, de ser abandonado, de errar, de ser punido... A família autoritária se utiliza do medo como forma de socialização e como mecanismo de controle.
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Que adulto a criança sexualmente reprimida se torna? Uma pessoa desconectada do que sente, sem capacidade crítica, com fé cega na autoridade que aprendeu a temer a própria sexualidade. Alguém que não confia em si mesmo, que como sempre teve alguém determinando o que deveria fazer, rejeita a responsabilidade pelos seus atos e carece de direcionamento e orientação. Alguém que vive no conflito entre o desejo natural de liberdade e o medo da responsabilidade que esta acarreta. Esse conflito indissolúvel abre espaço para um ‘salvador’ que prometa liberdade e a resolução de todos os seus problemas. E esse adulto-criança reprimido acredita nele sem qualquer crítica.
O fascismo prolifera aí: em pessoas que não sabem se orientar e tomar decisões sozinhas e que esperam que alguém lhes diga o que fazer. E é isso que a família patriarcal autoritária produz e a educação formal dá continuidade.
A família funciona como um “Estado autoritário em miniatura” (Reich, 1988, p.45) que prepara a criança para “o ajustamento geral que será exigido dela mais tarde” (p.45).É portanto, a “principal célula germinativa da política reacionária, o centro mais importante de produção de homens e mulheres reacionários” (p.94). É ela que, ao mesmo tempo reproduz o pensamento reacionário, produz a ideologia e estrutura rígida. Faz todo sentido então, o discurso reacionário de proteção à família ‘tradicional’, não?
Pessoalmente, eu sempre quis entender como tendo avós brizolistas e que foram perseguidos pela ditadura militar teriam como filho, um homem que era eleitor do atual (des)presidente há anos. Eu simplesmente não compreendia. Estudando Reich tudo começou a se encaixar na minha cabeça. Meus avós compunham uma família patriarcal autoritária com todas as letras, eram extremamente repressivos. Com isso, mesmo sem querer, plantaram a sementinha do fascismo no meu tio.
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Autora: Fernanda Borelli - Aluna em Formação em Vegetoterapia Caractero-analítica na EFEN
Referências:
Reich, Wilhelm. Psicologia de Massas do Fascismo. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
Mãe, Valter Hugo. A Máquina de Fazer Espanhóis. São Paulo: Editora Objetiva, 2010.
Hooks, Bell. Tudo Sobre o Amor: novas perspectivas. São Paulo: Elefante, 2021. (versão digital)