1º passo: na cabeça
Pra começar, desista. Não adianta ficar tentando esquecer. Só te faz pensar ainda mais. Quem você amou, está na sua história e faz parte de você. E essa é uma prática de amor-próprio. Remover uma memória de amor é como arrancar uma parte do seu corpo. E até membros depois de extraídos, podem continuar sendo sentidos. Então, para que esta pessoa que habita dentro de você fique mais tranquila na sua cabeça, e não atrapalhe a sua festa, é preciso não deixá-la sozinha.
Mas a cabeça não é um bom lugar bom para os ex. amores, pois em algum momento você vai precisar se concentrar em outras coisas. Então é preciso levá-los para outro lugar do seu corpo, onde não vão te incomodar. O problema é que você pode estar segurando um ex. amor entre os dentes. Seja sorrindo e fingindo que está tudo bem. Ou falando muito dele para quem quer que seja. Como um boi ou uma vaca, você está ruminando esta história. A bebida também é uma tentativa de engolir. Mas sempre volta com a ressaca, por isso não resolve. Beijar outras pessoas também não adianta. Às vezes, há tantos desejos calados, tantas palavras não ditas, tanta raiva reprimida, que chega a inflamar a garganta. Neste caso, você vai precisar se questionar se ainda há alguma coisa que deva ser dita. Se você expressou tudo o que poderia. Caso positivo, enquanto dança, pense em tudo que ainda precisa dizer. Em algum momento, se fizer sentido, isso poderá ser dito. Uma alternativa também é escrever no celular ou em um guardanapo na festa. Mas é preciso ter cuidado porque muitas vezes temos a impressão de que faltou algo, quando tudo já foi dito. Importante lembrar que o limite do que você precisa dizer não depende de ser compreendido. Só entende quem quer. A mesma canção que sintoniza corações também pode ser apenas ruído para ouvidos insensíveis. As palavras, mesmo que se repitam como um refrão, não mudam o outro, quando saem da sua boca. É você quem se transforma com elas, quando as escuta. E as palavras que não são suas. São a letra de todas as músicas. Aproveite que você está em uma festa e cante. Como se nunca tivesse cantado antes.
Só que depois de passar pela boca, a pessoa amada vai ter que passar pelo seu pescoço, um lugar muito estreito, sobretudo se estiver tenso. Recomendo então, para alongar, que você gire a cabeça, olhando de canto a canto, reparando em todas as pessoas que estão em volta. Repare que você não está sozinho na pista. Se você se sente muito burro por não ter feito nada diferente, saiba que isso já aconteceu com toda essa gente. Cada um desses desconhecidos, inclusive o que você escolheu para representar seu ex., já foi a pessoa amada de alguém. Mas esta figura não te causa realmente nada, porque quem dá sentido para o outro é você. Com o seu pescoço, você pode dirigir o olhar e escolher que direção seguir. Experimente alongar ao máximo a parte de trás do pescoço, até encostar o queixo no peito, mexendo os ombros e viajando na música. Desse jeito, vai poder olhar para si próprio. Melhor ainda, feche os olhos se coloque a seguinte questão: qual o melhor lugar para guardar um amor [mesmo que mal] passado? Agora abra os olhos e veja a resposta.
Seu peito é o único lugar vasto o bastante para caber aquela pessoa que não sai da sua cabeça. Lá, ela vai ficar confortável dentro de você e te deixar em paz. No mesmo coração que você amou este e os outros, poderá amar todos. Não há limites. Sinta este amor por todas as pessoas nesta festa. E se pintar uma tristeza, agradeça, sem pena de si mesmo. Você tem um coração perfeito. Que sangra, como todos os outros. Pronto, agora você pode chorar. De agora em diante, livre de culpa, ou da sensação de injustiça, com o tempo, você pode até se tornar amigo do seu ex-amor. Ou então mandá-lo do fundo do coração, para o raio que o parta. Repita a operação tantas vezes quanto for preciso. Sempre convide os amigos. E lembre-se sempre: Em caso de dor, dance.
Alice Souto
Poeta, terapeuta reichiana, forrozeira e foliã