Funciona assim: você faz o que todo mundo faz, paga suas contas, assiste suas séries no Netflix, toma sua cervejinha tranquilamente… Você vive sua vida de boa, sem grandes problemas. Só aqueles normais que todo mundo tem. Aí acontece alguma coisa que acontece na vida de todo mundo, como um término de relacionamento e isso acaba com a sua paz. Você fica mal.
Daí você pensa que isso é uma fase. Toda hora você diz “agora eu já estou bem”, mas continua sofrendo. Só que essa fase está durando muito mais tempo que o próprio relacionamento durou. Dirão que se trata apenas de “dor de cotovelo”. Mas você sabe que o sofrimento não é mais por causa do relacionamento. Você nem quer voltar à relação, nada disso.
Muitas vezes soma-se a esse estado uma questão de saúde como asma, problemas de coluna, dores de cabeça ou no peito. A pessoa procura um médico que no máximo vai tratar os sintomas sem nem perguntar como o paciente está psicologicamente. Tudo isso acaba fazendo a pessoa ficar sem vontade de sair de casa. Também, sair pra que? Muitos não querem perturbar os amigos com um monte de lamentações. O isolamento só aumenta e a pessoa em depressão pensa muito tentando entender o que está acontecendo. Mas pensar tanto cansa. E é por isso que todo dia mesmo tendo dormido oito horas a pessoa ainda está com sono. Talvez ela se culpe por preguiça, mas é importante saber que isso não é preguiça, esse é só mais um sintoma da depressão.
Quando recebemos pacientes neste estado na clínica, é feito um trabalho de acolhimento e aporte de energia, até que ele possa se estruturar de novo, isto é, conseguir fazer as coisas normais. Essa é uma etapa importante do trabalho, porém há outra parte, depois de um tempo, quando a pessoa já está um pouco melhor. Esse é o momento de atravessar a barreira do “normal”.
Tenho alguns pacientes que entraram na terapia devido a um ou outro episódio depressivo, melhoraram da crise mas acabaram pegando o gosto pelo autoconhecimento. Numa terapia como essa, o sofrimento começa a fazer sentido pois se transforma em aprendizado. A pessoa percebe que fazer o que todo mundo faz pode ser exatamente o que a leva à depressão. E pensando bem, isso é bastante lógico, porque a gente vive numa sociedade muito doente. Daí, ao invés de ficar ressentido por não poder fazer certas coisas normais, o paciente acaba entendendo que pode levar uma vida ainda melhor com mais abertura e criatividade. Para isso, é preciso se admitir um ponto fora da curva e se permitir inventar um novo jeito de viver.
Alice Souto
Doutora em Psicologia, professora e terapeuta reichiana (EFEN) [email protected]