Só quem faz parte desse clube sabe. É a mesma coisa pra quem sofre racismo, pra quem é mulher, pra quem nasceu na favela. Só quem sente na pele todo dia aos gritos ou na sutileza sabe como dói. Esse clube é formado por filhos que não se relacionam bem com os pais numa sociedade (principalmente a latina) em que a simbiose entre pais e filhos ao invés de ser vista como deve ser: um sintoma. É tratado como regra. |
Nesse contexto, aqueles filhos que por algum motivo viveram uma dor que os obrigou a um afastamento, um rompimento ou uma vida mais autônoma são vistos por aí como Filhos Ingratos.
Na maioria dos casos, e falo isso tanto por experiência própria quanto pela minha pratica clínica, essas pessoas passaram por traumas por vezes físicos, por vezes psicológicos difíceis de serem contados até mesmo numa sessão terapêutica. Imagine explicar pro grupinho do trabalho o porquê você não convidou o seu pai pro seu aniversario ou porque sua mãe não estava na sua formatura. É difícil, é íntimo. E é também malvisto. Nesse clube, os pais ainda estão de alguma forma presente na vida dos filhos. Geraram (provavelmente de forma não intencional) muito sofrimento para seus filhos. Mas não reconhecem isso ou não reconhecem toda a extensão daquilo que fizeram. Se sentem injustiçados e culpam os filhos pelo afastamento ou pelo |
Os membros do clube dos filhos desnaturados não podem dizer que foram abandonados. Até foram, emocionalmente. Mas não de presença física. Vai explicar isso pra alguém... Eu te desafio. 😊
Não me entenda mal. Quem foi abandonado pela mãe ou quem nunca conheceu o pai tem um sofrimento enorme. Não estou medindo, nem comparando. Só explicando como é a realidade de um grupo especifico de pessoas.
Quem foi abandonado, com mais frequência, se sente legitimado para falar em público: meu pai não me assumiu, não tenho pai. Claro que há exceções. Mas via de regra é mais fácil explicar. As pessoas entendem. Fica claro quem é vítima e quem é vilão.
Mas no clube dos desnaturados não é assim, os vilões se fazem de vítima.
E aí a gente precisa falar desses papeis. O triangulo do Drama de Karpman é uma teoria que diz que as pessoas em conflito estão presas em algum desses três papeis. Vitima, algoz/acusador ou salvador.
Assim que a gente lê os nomes já fica fácil saber qual desses papeis a gente assume com mais facilidade, não é?
E se a gente assume esses papeis de forma repetida, a gente precisa se atentar que tem muito a ver com uma forma aprendida de reagir às situações e nem sempre com a realidade em si. É um padrão né... O padrão é sempre interno.
Por exemplo, pra mim que sou membro do clube dos filhos desnaturados, eu fui vítima por muito tempo. Eracriança. Fui vitima e tive que ser forte. Não fui reconhecida, nem acolhida verdadeiramente num contexto em que fui vítima real. E de alguma forma cristalizei essa reação. De me ver no lugar de vítima.
E depois disso, ou ao mesmo tempo, se conscientizar de que em outras situações a gente não é vítima, mas se coloca nesse papel. Ou até é, mas pode assumir um papel diferente.
Se fala também muito de perdão. Quantas vezes se fala para um membro do clube: “Mas você precisa perdoar seus pais”. “Perdoe por você e não por eles”. Frases bonitas mas que podem deixar aquele que sofre ainda mais culpado. Porque além de ter sofrido ainda é culpado por não conseguir perdoar.
Perdoar pode ser um processo lento que está profundamente ligado a capacidade de entrar em contato com a dor e solta-la. Dar voz e dar lugar. E muito pouco ligado a uma reconciliação ou com uma forma de conseguir se relacionar com aqueles que feriram. E aos poucos ir encontrando novas formas de se abrir.
Se você faz parte do clube manda uma mensagem ai nos comentários do blog que eu mando emitir a sua carteirinha. 😊😉
Ana Paula Grivet
Psicóloga e terapeuta em formação na EFEN