Nesses tempos de relato #primeiroassédio vemos a importância de falar publicamente sobre nossas cicatrizes e dores coletivas. Uma terapia de catarse. Mas será que só expor adianta?
É preciso ir além deste assunto e compreender que o assédio ou abuso não é o lado da nossa vida que precisa de cura. Não há doença na situação onde fomos vítimas. O doente é o agressor. No entanto, as marcas do abuso ficam presentes na memória corporal em forma de uma couraça, como diria Wilhelm Reich.
Estas couraças geram um padrão inconsciente de defesa. Na situação sexual, por exemplo, podemos sentir o outro como uma ameaça ou um possível agressor com uma vontade maior que a nossa, contra o qual não conseguimos nos contrapor. Há uma dificuldade de colocar limites diante de “pequenos assédios cotidianos” pois ainda se tem o sentimento de inadequação, culpa, dependência e fraqueza de uma criança abusada. Ao invés de reagir, a gente chora. Isso faz com que muitas mulheres tenham aversão ao sexo. Também ajuda a explicar porque muitas mulheres não conseguem dizer “não” para alguns comportamentos dos homens, se mantendo em um relacionamento abusivo.
Mas o ressentimento só nos adoece e piora a situação. Pode haver um misto de sentimentos de amor e raiva, porém a maioria de nós ama os homens e vai se relacionar com eles necessariamente, seja como parceiros sexuais ou como filhos homens. Ambos com a boca nos nosso peitos. É preciso fazer o corpo ganhar consciência de que agora não somos mais crianças. Como mães e mulheres adultas somos fortes. Do nosso peito há sair o leite doce do amor que somos capazes de construir. Senão é câncer de mama, de mamá, câncer de mãe, câncer de mulher.
Digo isso porque o amor é questão de saúde e é possível para todas nós termos relações sexuais-afetivas satisfatórias. Sair de relacionamentos abusivos e ao mesmo tempo assumir o desafio de todas as mulheres:
amar aos homens sem medo
amar a nós mesmas primeiro
Sabemos que todas essas coisas são extremamente difíceis para a maioria das mulheres, ainda mais em uma sociedade que frequentemente não acredita na vítima, não a acolhe nem reconhece sua dor, e até a culpabiliza. A terapia, entre outros espaços de compartilhamento e acolhimento, pode ajudar muito. O terapeuta, como uma pessoa de fora da sua vida, pode te ajudar a ver que existem meios e pessoas em que se faz necessário brigar e se distanciar, e que em outros você poderá se abrir, confiar e encontrar acolhimento.
Alice Paiva Souto
Doutora em psicologia e terapeuta reichiana