“Distraídos venceremos” (Leminski)
Unha encravada, frizz no cabelo, dor nas costas, má digestão, depender financeiramente, explosão de raiva, não conseguir acordar na hora, nunca ter realmente esquecido o ex, não conseguir tratar bem os pais, não ter coragem de fazer o que se quer, não conseguir dizer não… Como olhamos para aquilo que incomoda em nós?
Deixar quieto, talvez tampar, até cicatrizar? Ou manusear, olhar com lupas e microscópios, deixar tomar ar e arder? A atenção nos ajuda a compreender, elaborar e “liberar” as dificuldades ou só nos deixa mais travados e voltados ao incômodo?
“Olhar para dentro ou pra fora?”
É algo como o “copo meio cheio ou meio vazio” e Reich nos lembra de desconfiar, sempre, das dicotomias. Não se trata de olhar ou não para o problema – ou olhar positivamente ou negativamente – mas da qualidade do olhar. Assim, podemos entender que a lógica reichiana não busca um “aprender a não pensar tanto” (uma espécie de mito da terapia corporal), mas ajuda a desenvolver nossos sentidos, tão embotados, e desta forma apurar também o olhar. Afinal, os olhos possuem músculos que também se cansam, tensionam, e desejam ver ou não ver…
Quando relaxamos o corpo e nos aproximamos da lógica do sentir, retirando o centro do fazer, podemos dizer que estamos “distraídos”, ou seja, fora do afã predominante por resolver, controlar, agir. Entretanto, quem medita sabe: relaxamento necessita de atenção, senão nada mais é do que sono. É como uma distração atenta, dessas coisas que o ocidente até hoje não entende muito bem.
“Meditação é não fazer nada” (O livro Orange, meditações de Osho, Osho)Se podemos entender a distração de Leminski desta forma, o ponto no teto, exercício que é um dos pilares da metodologia pós-reichiana, nos traduz a distração atenta que tanto precisamos. Nossa sociedade tem dificuldade de compreender a concomitância da não-ação com a atenção: muito acelerados, nossa atenção por vezes só funciona na base da ansiedade, da agitação (agitar-se é diferente de mover-se!) e é difícil manter uma atenção mais contemplativa.
Pois bem: neste sentido, distraídos venceremos o medo exagerado, a imobilidade e a eterna insatisfação. Mais tranquilos, podemos sentir melhor o presente.
Olhar para dentro e para fora: faces da mesma moeda. O exercício do ponto no teto nos mostra claramente as bases do pensamento reichiano: olhar para dentro e para fora são movimentos que partem de uma mesma energia, de uma mesma qualidade de atenção, inseparável.
Começemos logo, então.
“A atenção é o caminho para a imortalidade. A desatenção é a via para a morte. Os que estão atentos não morrem, os desatentos são como se já estivessem mortos” (Dhammapada)
“Pensar é estar doente dos olhos” (Alberto Caeiro)
Isa Kaplan Vieira
Psicóloga e terapeuta reichiana