Muitos já ouviram falar que Reich parece colocar no centro de tudo o orgasmo e a famosa “liberação sexual”. Mas, e todos os outros fatores de nossa relação com nós mesmos, onde ficam? Há pessoas que entendem que são “bem resolvidas sexualmente” e, por isso, nada teriam a fazer numa terapia reichiana.
Mas o que é afinal “ser bem resolvido sexualmente”?!
O orgasmo é um reflexo, assim como o vômito e o choro. A ausência ou dificuldade do orgasmo, assim como do choro, por exemplo, indica um bloqueio resultante de uma situação estressante que ficou gravada no corpo. Para Reich, esses bloqueios são expressão da intensidade e da maneira historicamente constituída de adoecimento de uma cultura específica.
É importante compreender, que aquilo que chamamos de “repressão sexual” não se refere somente à sexualidade genital propriamente dita, mas ao fluxo libidinal, pulsional (para utilizar conceitos psicanalíticos); ou, como preferimos, simplesmente fluxo energético. Não podemos separar repressão sexual de repressão emocional: tratam-se de expressões do organismo, que quando inibidas cronicamente criam uma estagnação nesse fluxo. Esta estase carrega um “medo de viver”, expressão que Lowen utiliza para definir o que seria a neurose.
A possibilidade de viver de forma menos encouraçada, menos marcada pela inibição das expressões do organismo, é chamada, por Reich, de potência orgástica. A potência orgástica é definida, por ele, como “a capacidade de abandonar-se, livre de quaisquer inibições, ao fluxo de energia biológica; a capacidade de descarregar completamente a excitação sexual reprimida, por meio de involuntárias e agradáveis convulsões do corpo”. Para Reich, o prazer de viver e o prazer do orgasmo são funcionalmente idênticos. Este prazer depende da capacidade de pulsar do indivíduo: capacidade de tensão, carga, descarga e relaxamento.
Se repararmos, existem orgasmos e orgasmos. Algumas vezes podemos fazer sexo como quem não quer sentir, quer só estimular a nível mental e descarregar a nível mecânico. Mas a descarga que traz satisfação e tranquilidade é a descarga que traz no seu processo de aumento da tensão e relaxamento da tensão a possibilidade de contato consigo mesmo e com o outro sem que predominem medos, ansiedades e fechamentos. Por isso, falamos de uma descarga energética que é potente e sensível.
Assim, a posição da pessoa diante de sua própria sexualidade e capacidade de satisfação sexual está ligada à capacidade de contato. Quando falamos de satisfação, falamos de uma maneira global de ver e se relacionar com o mundo.
O terapeuta reichiano se preocupa na clínica com as manifestações da potência e da impotência orgástica nas relações sexuais e afetivas e observa, por muitos ângulos diferentes, a relação disto com a satisfação e com a capacidade de contato da pessoa.
Nesse ponto, podem perguntar: –“Então o orgasmo é um analisador, só isso? Ufa, menos mal!”
Mais ou menos! A terapia reichiana vai além de uma análise pois acredita que é possível dar um passo – ou muitos – em direção à potência orgástica. Assim, o terapeuta pode ser um grande aliado nessa caminhada.
Algo que os terapeutas reichianos observam é a confirmação do que Reich falava sobre a satisfação sexual e que muitos acharam balela: quando se dá alguns passos nesse sentido, a pessoa se afasta naturalmente da neurose. –“Naturalmente?!”, podem perguntar. Sim, pois esses passos exigem que a pessoa entre em contato consigo mesma, que sinta e desconstrua pouco-a-pouco as amarras (corporais, emocionais) que a impedem de se relacionar de forma mais tranquila, honesta, profunda e real.
Ter a satisfação sexual como parâmetro não quer dizer que devemos instaurar uma ditadura do orgasmo ou algo do tipo, é claro. Significa ter um parâmetro que nos ajuda a compreender não só os indivíduos, mas a sociedade, de forma bastante lógica, profunda e sensível. A busca pela satisfação sexual não é a busca pela felicidade, mas uma referência concreta no caminho de uma maneira menos defendida, mais criativa e espontânea de se viver.
Isa Kaplan
Psicóloga e terapeuta reichiana
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