Reich escreveu sobre um tema que versa sobre a teoria do conhecimento ou como conhecemos de modo geral. Normalmente, acredita-se que o intelecto ou a inteligência racional é aquela que nos fornece informações sobre o mundo, o que em parte, é verdade. A outra parte é que, de fato, o que nosso intelecto faz é concatenar ideias, isto é, criar lógicas, que são ideias que se ligam a ideias e formam um raciocínio sobre alguma coisa. E estamos o tempo todo formando raciocínios sobre coisas, sobre pessoas, sobre fatos que nos acontecem, sobre atitudes de outras pessoas, sobre o significado de certos eventos, etc.
Neste momento, Reich nos avisa que as sensações que temos depende da composição de nosso corpo, que é um corpo que tem uma estrutura particular e uma forma de se sensibilizar e de responder de maneira particular. Logo, se formamos um raciocínio sobre uma coisa ou um fato, podemos dizer que esta coisa ou fato tem qualidades que o compõem, que podem até ser objetivas, descritíveis, e, também, que os valores que damos são subjetivos e podem se formar muitos pontos de vista sobre uma coisa ou fato. A questão, para Reich, não está, assim, sobre a natureza do fato ou o significado, mas sobre a natureza da sensação que a pessoa tem, ou seja, como é o aparelho, como funciona a composição do corpo do qual brotam sensações e do qual percebe as coisas, os fatos, o que lhe acontece e o que fazem as outras pessoas.
Reich se deteve sobre o estudo da sensação de risco, pois se trata de uma reação do corpo a um estímulo negativo anteriormente vivido, mas, sobretudo, de uma reação que constantemente se renova e se reatualiza, uma vez que recebemos continuamente estímulos ou sinais das relações com coisas ou pessoas que estabelecemos no presente.
Na prática, a pessoa se vê, em muitos momentos, tendo ideias reativas ou alarmadas de situações que prevê acontecerem, mas, que de fato, nem sempre se concretizam. Conforme a composição do corpo ou o modo do corpo seja tomado por estas reações, muitas vezes a mente raciocina ou estabelece lógicas muito rígidas e fixas sobre uma determinada situação, de modo que consiga apenas ver ou perceber apenas esta lógica e não outra e, assim, a pessoa põe-se a agir contra esta lógica, a combatê-la.
Assim, voltamos ao início da nossa questão. Como conseguimos saber sobre o que se passa conosco, em nosso mundo interno, com os outros e as coisas ao nosso redor?
Se o tempo todo somos acometidos por estados de risco os quais nem mais percebemos ou tomamos como “normais” ou como parte de nossa natureza, nossa capacidade de percepção e conhecimento das coisas torna-se muito diminuída e, mesmo, distorcida. Mesmo que nosso saber das coisas, nosso saber sobre nós mesmos ou sobre os outros seja sempre subjetivo, é necessário que nossos sensores, nossos sistemas de sensibilidade estejam em grande parte disponíveis para que possam sentir e responder ao que seja real. Em outras palavras, a profundidade de nossas percepções é ligada ao quanto podemos investir de atenção, o que se traduz em termos energéticos.
Portanto, como nos lembra Reich, o conhecimento do mundo ao nosso redor e de nós mesmos, não requer meramente uma operação mental, mas, sobretudo, uma capacidade biofisiológica de pulsação, de sentir e de responder livremente, de expandir e contrair à necessidade das relações, de modo que possamos conhecer verdadeiramente a realidade que produzimos e que se faz à nossa frente.
* Este artigo está baseado na dissertação de mestrado em Psicologia Clínica apresentada na Universidade Federal Fluminense em 2013, com o título “A clínica, a sensibilidade e o conhecimento: um diálogo entre as obras de Reich e Spinoza”.
José Vicente Carnero
Psicólogo Clínico, Administrador de Empresas e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Formado em Vegetoterapia Carátero-Analítica pela EFEN.