Você deseja ter satisfação em um relacionamento amoroso? Quase todo mundo responde afirmativamente a esta pergunta. No entanto, muitas pessoas parecem ter um “dedo podre”, pois acabam sempre amando pessoas que não as fazem felizes.
Em geral, somos muito condescendentes diante do aspecto doentio de muitos relacionamentos afetivos. Dizemos: “o amor é cego” e encerramos a discussão. No entanto, muitas vezes o que chamamos “amor”, na verdade se trata de dependência emocional. Trata-se do vício afetivo que embora apresente as características de qualquer outra adição, não é alvo de campanhas de prevenção, como afirma Walter Riso no livro “Amar ou Depender”.
Nossa cultura de filmes e novelas românticas estimula sistematicamente as pessoas a desejarem viver histórias de amor arrebatadoras e cheias de conflitos. Quanto mais impossível a relação, maior a paixão. Histórias de casais felizes vivendo em harmonia não são vendáveis. Nestas relações, a frase: “eu não consigo viver sem você” se trata de um lugar comum. E todo mundo acha lindo… até o momento em que a vítima de uma “paixão tóxica” e você.
A única fase da vida em que, de fato, não podemos viver sem o outro é a infância. As crianças são dependentes dos adultos, não só afetivamente, mas também de forma material (de alimentos e cuidados gerais). A maturidade sexual deve marcar o fim das relações de dependência. Nesta fase, apesar da perda do conforto de “ser cuidado”, já existe a possibilidade de se buscar satisfação pessoal com autonomia. A partir daí, podem se configurar relações regidas pela reciprocidade, quando há o encontro de dois sujeitos igualmente capazes de dar e receber prazer e afeto. Contudo, muitas pessoas são mal sucedidas em efetuar a transição da dependência para a autonomia, de modo que na vida adulta, seus relacionamentos ficam marcados por hábitos infantis.
De acordo com a tradição psicanalítica, as adições de um modo geral (vício em álcool, cigarro e drogas, por exemplo) estão ligadas a uma fixação oral, que remete a fase da amamentação. Assim como o bebê não suporta esperar pelo seio materno, um adulto com problema de adição teria baixa tolerância a frustração e não suportaria ficar sem a droga. Em referência ao álcool especificamente, Freud destacava o fato de que o adulto ao exagerar na bebida passa a se comportar como uma criança, havendo inclusive, uma queda na censura interna.
Quando se fala em dependência emocional é preciso ter em mente uma premissa básica: nenhum vício leva à satisfação. Gera prazer, com certeza, mas este é sempre incompleto e funciona como uma mola propulsora da adição. De acordo com uma perspectiva reichiana, quanto mais traços orais (de adição) conservamos, mais distante se está da genitalidade, e portanto da possibilidade de alcançar a satisfação sexual. Se a ausência do outro se assemelha a uma crise de abstinência, sua presença jamais será suficiente. Isso porque se destinou à relação o papel de suprir carências infantis que não deveriam ter lugar na vida adulta e que devem ser superadas. Ao abrir mão de anseios infantis, liberamos o fluxo de energia sexual para a descarga orgástica e, aí sim, podemos ser capazes de gozar plenamente o relacionamento.
Fiquei surpresa ao notar o pouco destaque dado à sexualidade no já mencionado livro de Riso sobre dependência emocional. Talvez esta tenha sido uma opção didática ou diplomática, no sentido de não criar polêmica ao articular os temas. No entanto, a premissa básica para o estabelecimento de um relacionamento maduro se encontra no conceito reichiano de potência orgástica. Isso porque a insatisfação sexual crônica acaba gerando um estado permanente de ansiedade e tensão, que funciona como fonte de energia para as neuroses. Como não há descarga completa da energia sexual através do orgasmo (potência orgástica), é preciso gerar meios substitutos para aliviar a tensão, entre os quais se encontram todas as formas de compulsão (vícios químicos, emocionais, comportamentais e até mesmo a própria compulsão sexual).
Segundo Reich, além do trabalho e do conhecimento, o amor é uma das fontes da vida. Um relacionamento amoroso desgastante, ao contrário de nutrir a vitalidade, acaba contaminando as demais áreas da vida e causando prejuízos para a saúde. Deste modo, é preciso estar sempre atento ao nível de vitalidade desta importante esfera da experiência humana. Sem incorrer em subjetivismo ou idealização romântica, devemos nos questionar: Este relacionamento está funcionando? Caso negativo, faz-se necessário buscar ativamente as causas para tal.
“Eles só tem olhos um para o outro”. Na típica cegueira de amor, os apaixonados não enxergam para além do seu próprio umbigo e do umbigo da pessoa amada. Assim também agem os viciados, incapazes de encontrar prazer no que não seja a substância química da vez. As adições servem à manutenção de um determinado equilíbrio (neurótico) que restringe as possibilidades da vida. Um círculo vicioso onde fica reduzida a capacidade do adito de perceber outras coisas que podem lhe fazer bem. Por isso, persistem em escolhas tão repetitivas e limitadas. Se você se considera uma pessoa que ama demais, ou melhor, que ama exageradamente a mesma coisa, experimente amar outras… Ou seja, se deixe afetar por uma variedade de outros estímulos. Sair do isolamento (mesmo que a dois) é o primeiro passo para a conquista de uma vida mais autônoma e livre. Esta atitude pode gerar um medo infantil, de quem não aprendeu a viver de forma independente. Porém, ao deixar para trás a segurança dos pequenos prazeres repetitivos abre-se a possibilidade da satisfação real.
Alice Paiva Souto
Mestre em psicologia e terapeuta reichiana na EFEN